É que eu descobri que minha boca tem formato de coração, meu olho esquerdo é menor que o direito, que eu mordo o lábio inferior quando tô nervosa. Que os tantos livros de ficção me fazem pensar que eu sou seguida o tempo todo, e me fazem ter vontade de fazer artes marciais para auto-defesa. Descobri que meus pés são uma anomalia, com esse dedão arredondado, menor que o dedo do lado ( descobri que eu não sei como nomear os dedos ). Que eu falo palavrão o tempo todo, e que minhas colocações sempre vão de encontro ao meu raciocínio, e por isso eu aparento ser uma perfeita idiota. E eu não sei me expressar quando estou sendo testada, e eu sempre acho que estou sendo testada, daí nunca correspondo às expectativas. Me disseram que eu falo dormindo. Me disseram que eu tenho ataques de riso dormindo. Me disseram que eu sorrio o tempo, ou pelo menos a maior parte dele. Descobri que sorrir é vital. Sorrir é vital. Me disseram que eu sou feia, embora eu já estivesse careca de saber disso. Descobri que beleza não é essencial e que eu sou feliz assim. Descobri que eu não quero mais uma cirurgia no nariz e silicone em todas as partes do corpo. Que há partes não visíveis aos olhos humanos, mas que são as partes mais lindas desse inteiro. Descobri que eu não preciso de um inteiro, que as partes não precisam estar coladas, que o cesto de lixo não precisa estar no lugar certo, nada precisa estar no lugar certo. Minha vida só fez sentido quando as coisas viraram de cabeça pra baixo. Descobri que ninguém nunca vai ler esse texto enorme, e que eu faço isso intencionalmente. E que eu perco o fio da meada quando me prolongo. Talvez isso seja esquizofrenia, ou talvez eu seja a única pessoa sã aqui. Descobri que isso parece o alienista de Machado de Assis. E que todas essas palavras, e expressões difusas, sem nexo, são sintomas do vírus que se instalou em mim: o amor. Amor pela vida.